24.7.07

23.7.07

[ESPAÇO, TEMPO E ARQUITECTURA MODERNA]

[Espaço, Tempo e Arquitectura Moderna]

Hermann Broch – Os Sonânbulos [1928-1931]
(Lisboa: Arcádia, 1965.)

Degradação de Valores (3)
[pp. 432- 433]

A prevalência do estilo arquitectónico entre as características de uma época é dos assuntos mais estranhos. No fim de contas, que situação privilegiada, realmente notável, receberam as artes plásticas no interior da história? Não passam, afinal, de uma bem exígua amostra entre inúmeras actividades humanas que preenchem uma época, e o certo é que nem sequer mesmo uma amostra muito intelectual, embora, no entanto, suplantem todos os domínios intelectuais em potência característica, suplantam a poesia, suplantam a ciência, até mesmo a religião. O que permanece através de milénios é a obra de arte plástica, permanece como índice da época e do seu estilo.
Isto não pode explicar-se apenas pela duração dos materiais. Entre as coisas que provêm destes últimos séculos, conservou-se o papel escrito, em massa, e, no entanto, qualquer estátua gótica é mais «medieval» que toda a literatura da Idade Média. Não, essa seria uma bem pobre explicação; se há uma explicação para o caso, temos de ir buscá-la à própria essência do conceito de «estilo».
O estilo não é, por certo, uma coisa limitada à construção ou à arte plástica: o estilo é qualquer coisa que atravessa de igual maneira todas as expressões vitais de uma época. Seria absurdo falar-se do artista como de um ser excepcional, de alguém que levasse uma existência particular no interior do estilo e que produzisse este, enquanto todos os outros seriam excluídos.
Não, se existe um estilo, todas as expressões vitais estão penetradas por ele. O estilo de uma época está por igual presente no pensamento e na acção implantados pelos homens desse período. E é só este dado, necessariamente como tal, pois não pode ser de outro modo, que permite explicar um facto surpreendente: porque serão precisamente as acções que se manifestam no espaço que adquiriram um significado tão extraordinário, um significado evidente, no verdadeiro sentido da palavra.
Talvez fosse ocioso discutir este assunto, caso por detrás dele se não escondesse o problema que só por si legitima toda a filosofia: a angústia do nada, a angústia do tempo que conduz à morte. E talvez toda esta inquietação inspirada pela má arquitectura, que faz com que eu me encaracole no meu canto, talvez toda esta inquietação mais não seja do que esta angústia. A verdade é que, faça o homem o que fizer, tudo que ele faz tem por fim anular o tempo, suprimi-lo, e a esta supressão se chama espaço. A própria música, que existe unicamente no tempo e que enche o espaço, transmuda o tempo em espaço, e a teoria com mais verosimilhança é que todo o pensamento se realiza no espaço e que o processo do pensamento representa uma amálgama de espaços lógicos de múltiplas dimensões, indizivelmente complicados. Mas, se assim é, igualmente pode admitir-se que todas estas manifestações que se relacionam imediatamente com o espaço recebem em apanágio uma significação e uma evidência sensível, que não pertencem a mais nenhuma actividade humana. Eis o que esclarece igualmente a significação particular e sintomática do ornamento. O ornamento, desligado de toda a forma utilitária, conquanto esta se encontre na origem do seu desenvolvimento, torna-se expressão abstracta; a «fórmula» de todo o pensamento espacial torna-se a fórmula do próprio estilo, e assim a fórmula de toda a época e da sua vida.
E nisto me parece residir esta significação, que me sinto tentado a qualificar de mágica. É por aqui que se torna significativa uma época completamente destinada à morte e ao Inferno, dever necessariamente viver no estilo que já não é capaz de produzir o ornamento.
Degradação de Valores (2)
[pp. 423- 425]
Talvez o horror desta época não se manifeste da forma mais aparente que nas experiências arquitectónicas. Volto sempre para casa tremendamente cansado quando passeio pelas ruas. Não tenho necessidade de contemplar especialmente as fachadas dos prédios, mas o certo é que elas me inquietam mesmo sem eu ter a necessidade de soerguer para elas os olhos. Por vezes procuro um refúgio nas novas construções tão elogiadas, mas naturalmente faço mal – o grande armazém de Messel, no entanto, tenho a certeza obra de um grande arquitecto, com o seu gótico, causa-me uma impressão um tanto bufa, e o certo é que é uma bufonaria irritante e fatigante. Fatiga-me a tal ponto que mal sou capaz de encontrar repouso na contemplação das construções classicizantes. E no entanto amo a claridade grandiosa da arquitectura de Schinkel.
Estou convencido de que nunca, em qualquer época passada, o homem contemplou com desgosto e cólera as formas de expressão arquitectónica. Esta experiência era uma função natural. É de crer que as pessoas nem se quer atentassem nas construções novas, pela mesma razão de que quase não se repara numa árvore acabada de plantar; quando porventura se viam essas construções, ficava-se a saber que uma acção boa e natural acabava de ser realizada, assim, pelo menos, Goethe encarava ainda as construções da sua época.
Não, não sou um esteta, nunca o fui, tenho a certeza, mesmo que muitas coisas tenham dado lugar a essa ideia, tão-pouco me anima a sentimentalidade nostálgica do passado, a contemplação retrógrada e transfiguradora das épocas passadas. Não, por detrás de todo o meu desgosto e do meu cansaço esconde-se uma ideia muito antiga e bem fundamentada, a ideia de que, para qualquer época, nada é mais importante do que o seu estilo. Não há nenhuma época da humanidade que se tenha caracterizado de qualquer outra forma, a não ser pelo estilo, e antes de mais nada pelo estilo de construção, e não se pode, sem dúvida, qualificar época alguma de época propriamente dita senão na medida em que possui um estilo.
Podem objectar-me que o meu cansaço e a minha irritação talvez sejam uma consequência da minha subalimentação. Podem dizer-me que esta época possui o seu estilo muito efectivo nas máquinas, nos canhões e no cimento armado, podem dizer-me que só as gerações futuras compreenderão o estilo desta época. Bom! Esta época possui, portanto, as suas amostrazinhas de estilo, e até mesmo os anos posteriores a 1870 tinham o seu estilo, a despeito de todo o seu ecletismo. E estou pronto a concordar, mesmo, que a vontade de estilo foi simplesmente ultrapassada pela técnica, que é verdade ainda não se haverem tirado dos novos materiais as formas expressivas adequadas, que toda esta inquietante desproporção não é senão provisoriamente uma incapacidade de se atingirem fins propostos. Mas, em todo o caso, ninguém me contestará que qualquer coisa não haja desaparecido da nova expressão arquitectónica – pouco importa que determinado pelos novos materiais ou pela incapacidade pessoal – e que, mais ainda, esta expressão arquitectónica rejeite e deva rejeitar, com toda a consciência e com todo o direito, essa qualquer coisa, essa coisa mesmo que distingue radicalmente este estilo de todos os estilos precedentes: a marca distintiva do ornamento. Claro está que pode igualmente celebrar-se isto como uma virtude e sustentar que só agora é que se sabe construir de maneira a tal ponto adaptada aos materiais que podem dispensar-se perfeitamente os acessórios ornamentais. Mas será a expressão «adaptação aos materiais» alguma coisa mais do que uma fórmula contemporânea em moda? Porventura não tem a época gótica ou qualquer outra época adaptado a sua construção aos seus materiais? Aquele que considera o ornamento um acessório não tem ideia clara da lógica interna de uma construção. «O estilo arquitectónico» é lógico, uma lógica que penetra o edifício no seu conjunto, desde a planta à edificação, e no interior desta lógica o ornamento é apenas a última demão, a expressão diferenciadora, em miniatura, do pensamento fundamental, único e unificador, do conjunto. Quer se trate de incapacidade ornamental ou de recusa de ornamentação, a significação aqui é a mesma. A única significação possível é que a forma de expressão arquitectónica desta época se diferencia da forma mais acentuada de todas as épocas precedentes.
Mas para que serve esta exposição sumária? O ecletismo não pode criar forma ornamental pela mesma razão que se não pode conquistar uma nova forma ornamental sem recair no cómico de um Van de Velde. O que resta é uma profunda inquietação, uma inquietação e a certeza de que este estilo de construção, que não é um estilo de construção, mais não faz que representar um sintoma, uma advertência profética de um estado de espírito que deve ser barbárie intelectual desta época bárbara. Ah! A visão que eu tenho dela fatiga-me! Se pudesse, não voltava a sair de casa!

SINOPSE - SYNOPSIS

Seminário Internacional – Faculdade de Arquitectura – 2007

Proposta de Workshop

Don’t follow the white rabbit!

O Coelho Branco da Alice no País das Maravilhas é o herói dos tempos modernos. Nele todos nós nos reconhecemos: sempre atrasados, sempre stressados, sempre ansiosos…; sem que nunca o tempo dos nossos afazeres corresponda ao nosso querer.
Pessoa importante – Primeiro-ministro da Rainha de Copas – o Coelho Branco leva a atormentada vida de um escravo. O seu penar: o próprio esquecimento de Si, que o desarma à insidiosa penetração de “outros senhores”. O instrumento da sua tortura: o tempo.
A Rainha de Copas – a raínha dos corações – é uma tirana de múltiplas faces: obrigações profissionais, familiares, até obrigações sociais e de vida saudável… Tudo, sob o jugo da Raínha de Copas – aquela potência dominadora do nosso coração que, contudo, lhe é estrangeira –, se torna feio e mau. Sob o jugo da Raínha de Copas, o tempo, em vez de nos permitir ser, consome-nos: como o Cronos devorador e sanguinulento de Goya faz com os seus filhos (somos nós os filhos modernos e truncados desse Cronos).
Dir-se-á que essa incorrespondência, esse sentimento de violência do Mundo ao Eu, é recorrente no ser humano: “é uma constante da vida”; sempre o homem se sentiu superado pelo Destino, nunca no Mundo o homem encontrou paz perfeita. É verdade, mas, por causa disso, o homem aprendeu, desde longa data a defender-se dessas potestades alheias ao coração, a refugiar-se delas, a isolar-se do seu espectro de acção. Desde longa data o homem tentou – e conseguiu – construir recintos, clareiras abertas no Caos, onde havia espaço para si, onde o tempo parava: as moradas.
Na minha morada, na minha casa, na minha rua, na minha cidade – no meu ninho – o tempo é meu; não me consome; é possibilidade, veículo, para Eu ser Eu.
É a arquitectura que constrói esse para-mim do Mundo, no Mundo, em que o Eu pode ser Eu. A arquitectura é esse lugar, um lugar de acolhimento, de recolhimento, em que a Beleza acontece.
Então, é essencial perguntar: como se faz arquitectura, como se tece esse espaço-ninho do meu coração em que o tempo pára…?



Docentes:
Marieta Dá Mesquita
Dulce Loução
Pedro Marques de Abreu

International Seminar – Faculdade de Arquitectura – 2007

Workshop Proposal

Don’t follow the white rabbit!

The White Rabbit from Alice in Wonderland is the modern times hero. We recognise ourselves in it: always late, always stressed, always anxious…; without ever letting the time of our commitments match the one of our will.
The Queen of Hearts – the queen of all hearts – is a tyrant of multiple faces: professional and familiar obligations, but also social and spare-time ones… All under the burden of the Queen of Hearts – that overwhelming power of our heart that despite odds is foreigner to it – becomes ugly or mean. Time, under such burden, instead of allowing us to be, consumes us: as with Cronos’s offspring bloodshed devour, depicted by Goya (we are the modern and truncated sons of that Cronos!).
One can state that, such discrepancy, that feeling of violence from the World towards Me is recurrent in human existence: “it’s a constant in life”; men have always felt surpassed by Destiny, and never before, have they found in the World a perfect balanced peace. Because of that, men learned, from immemorial time to defend themselves against those foreign powers to heart, and to take seclusion from them, isolating themselves from their range of action. And ever since, men has tried – and succeeded – to build enclosures, open voids in Chaos, were there was space for him, and were time stood still: the dwellings.
On my dwelling, on my home, on my street, on my town – on my nest – time becomes mine; it does not consumes me; it is the possibility, the vehicle, for Me to be Me.
It’s architecture that constructs that for-me in the World, that same World were Me can be Me. Architecture is that place, one of shelter and seclusion in which Beauty takes place.
Therefore one must ask: how do you make architecture, and how do you embroil this nest-space of my heart in which time stops…?



Professors:
Marieta Dá Mesquita
Dulce Loução
Pedro Marques de Abreu